É o que mostra um relatório conduzido pelas pesquisadoras Beatriz Lemos, Letícia Oliveira e Tatiana Azevedo, que analisaram esses perfis de novembro de 2022 a junho deste ano, quando o nome da plataforma ainda era Twitter -em julho, a rede social de Elon Musk passou a se chamar X.
Para o trio de pesquisadoras, o resultado do relatório reflete as mudanças no comportamento online e demonstra o crescimento do compartilhamento de conteúdos sensíveis, que antes eram restritos à "deep web". Além disso, ressaltam a ineficácia do monitoramento e da moderação das redes sociais.
A pesquisa aponta que os usuários utilizam diferentes pseudônimos para garantir seu anonimato e compartilham práticas nocivas, por vezes criminosas, por meio de texto, imagens e vídeos. Apesar de ter mapeado 800 usuários, o relatório conclui que há ao menos 10 mil usuários nestas comunidades online.
Em muitos casos, esses conteúdos são publicados sem alertas ou avisos de gatilho. Grande parte dos usuários interage apenas com outros integrantes desses grupos.
Mesmo mantendo o anonimato, as pesquisadoras conseguiram traçar perfis desses usuários com base em suas conversas e nos conteúdos publicados. Perceberam, por exemplo, que a ideia de quem frequenta essas comunidades varia, com a presença de pré-adolescentes, adolescentes e jovens adultos.
Nos perfis, eles costumam indicar sua associação com esses grupos por meio de gírias ou siglas em inglês, o que facilita sua identificação.
Para Azevedo, que trabalha com o monitoramento de grupos extremistas, o relatório não demonstra um comportamento exclusivo do Twitter, mas um retrato daquilo que ela e as outras pesquisadoras já analisaram em outras redes sociais, como Telegram, Discord e Reddit."Os usuários infringem os termos de uso da plataforma e nada é feito a respeito", diz ela. Questionado pela Folha sobre os conteúdos, a plataforma X não respondeu. "Ocupado, tente mais tarde", disse email automático.
Nos termos da plataforma, uma das proibições listadas é a promoção ou incentivo ao suicídio ou autoflagelação. A rede também diz proibir mídias que sejam excessivamente sangrentas ou compartilhamento de conteúdo violento em vídeos ao vivo, no perfil ou em imagens de cabeçalhos.
Azevedo chama atenção ainda para conteúdos que incentivam esses usuários a se envolverem ainda mais nas comunidades.
"É como se fosse uma terapia em grupo com objetivo de piorar os próprios transtornos de uma maneira que é publicada com certo orgulho", diz ela.
A pesquisadora ressalta ainda que meninas muitas vezes acabam sendo alvo, e a partir do X são atraídas para outras plataformas nas quais há circulação de conteúdo ainda mais pesado, como o Discord.
"Esses meninos oferecem muitas vezes algum dinheiro, como R$ 5 ou R$ 10 para que elas se cortem em frente à câmera dentro do servidor. Elas acham isso de alguma forma vantajosa, e caem ali dentro. E, ali, sofrem uma série de outros abusos", diz.
O levantamento mostra que a maioria dos usuários mapeados (79,8%) integra a comunidade de distúrbios alimentares. É comum que o mesmo usuário integre mais de um grupo. Pessoas que divulgam conteúdos que incentivam o emagrecimento extremo, anorexia e bulimia costumam também fazer posts sobre automutilação, por exemplo.
"É comum que os usuários se automutilam como castigo por terem comido alguma coisa que acham que não deveriam, o que é totalmente cruel", diz Azevedo.
A amostra analisada indicou que o transtorno alimentar pode funcionar como uma porta de entrada para as outras comunidades. Por exemplo, 81,6% das contas pertencem ao mesmo tempo às comunidades de automutilação e distúrbio alimentar.
O relatório apontou também que a comunidade que faz apologia a crimes em escolas e assassinatos em série foi quase que integralmente banida do Twitter a partir de maio deste ano. A época coincide com o início da Operação Escola Segura, do governo Lula (PT), em resposta aos ataques contra escolas registrados no início do ano.
A psicóloga e psicoterapeuta Karen Scavacini, fundadora do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio e criadora do Mapa da Saúde Mental, diz que as comunidades podem atrair jovens que se sentem excluídos.
"Ele entra naquela bolha das pessoas que pensam igual, como forma de normalizar o próprio sentimento que ele tem", diz ela, ressaltando que é preciso que pais e responsáveis passem a se interessar pelo que os filhos consomem na internet.
Além da responsabilidade dos pais, ela também critica a escassez da rede pública de saúde mental no Brasil, como mostrou uma reportagem da Folha de S.Paulo.
Scavacini também ressalta que é necessário que os profissionais que trabalhem com saúde mental também se inteirem sobre esses desafios online para que consigam guiar os jovens durante os atendimentos.
Para resolver a questão, ela defende um esforço da sociedade para combater o atual cenário em que jovens têm apresentado sinais de adoecimento psíquico.
"É necessário tanto da polícia, quanto políticas, pais, escolas, campanhas e até outros jovens que podem procurar ajuda ao saberem que um amigo está passando por uma situação difícil na internet", diz a psicoterapeuta.
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Fonte: AOMINUTO