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Pausa para a leitura: A luta do luto

Do inevitável contato com o luto: a sua vida foi ou será cindida e invadida pela maior dor do mundo – que você achará que não consegue suportar e que é tão certeira em você quanto latente em mim.

Do inevitável contato com o luto: a sua vida foi ou será cindida e invadida pela maior dor do mundo – que você achará que não consegue suportar e que é tão certeira em você quanto latente em mim. Cada vez que alguém querido morre, todos os mortos do mundo ressuscitam - em nossos anseios e lamentos - e nos assombram. E tornam-se vivos na imaterialidade de uma extinção que insiste em espreitar.

As circunstâncias que cercam o desaparecimento de uma pessoa sempre deixam uma marca de terror, de medo do passado, de choque e paralisia. Independentemente das contingências, um desaparecimento irreversível sempre será abrupto e trágico. A memória recolhe detalhes inéditos e sem precedentes - que machucam, renitentes.

Isso passa, é tudo o que posso dizer. O tempo dissipa toda a densidade da penúria. A dor surge aguda e lancinante, transforma-se em uma mazela crônica, ganha asas firmes e pesadas e adquire tantas formas de tantas outras coisas que podem ter muitos e tantos nomes familiares e indecifráveis. Eis a convergência dramática de tudo que é desconhecido e obliterado em todos os séculos de conhecimento que ostentamos em nossa razão.

A limitação absoluta em ver a beleza vai arrefecendo com o passar dos tempos e você aprenderá a se distrair com as maravilhas da existência, quando menos esperar. A superação vem com a distração do porvir. Não sucumba à tentação de resistir ao processo natural de experimentar pequenos renascimentos que hão de surgir. Honrar quem nos amou é conceber a dádiva de renascer em uma versão lapidada e mais humana. Sim, o sofrimento vem, vai, fica, insiste, resiste, vem de novo e depois vai. E ensina. A ausência tem um poder absoluto de agigantar um abstrato que é a matéria peremptória da vida. E o vazio incorporado vira algo intangível e muito poderoso. Vira amor. Eu só descobri a força do meu amor com a feracidade da minha dor. E isso é universal.

Você tem uma vida linda e isso não pode perder o significado. A beleza das coisas, a primavera dos tempos, tudo vai voltar ao ponto zero. E é através de você. O seu sofrimento sempre será do tamanho da grandeza da sua condição mortal. Um dia será você que desaparecerá em definitivo. Somente a bruta noção da sua finitude pode conferir à dor algum sentido, anestesiar a bestialidade e resgatar a sacralidade humana. E isso vai dar a você uma potência, uma coragem, um entendimento maior da vida, do mundo e de tudo. O sofrimento colossal vai virar um amor desmedido dentro de seu Ser e, quando você menos esperar, a vida parecerá no eixo. E, nesse momento, quase não haverá mais espaço para a existência física de quem não está mais aqui. Os mortos perdem o espaço no mundo – eles assumem o tamanho de todas as galáxias que você apreende. Assim como o onipresente céu, são os sepultados que nos velam – na imprevisibilidade de todos os nossos dias. As pessoas que se foram sempre serão um lugar e um alento para onde poderemos voltar, independentemente de estarmos vivos ou não. Não existe mais distância. Incorporamos os mortos de uma forma instintiva e absoluta. Tornamo-nos maiores e mais fortes. O luto faz com que aprendamos a morrer física e metaforicamente.

Não tente entender o Sentido. Não há sentido. Essa é a dor e a beleza de viver. Esse é o alento da verdade de morrer.

E o que quero mesmo ressaltar é: o Amor é o propósito único e último da vida. Não há morte que vença essa Verdade.

A morte nunca teve a última palavra para quem sabe que sofrimentos impensáveis se originam da beleza dos sentimentos mais nobres que o mundo concebe.

É claro que a saudade vai desassossegar por um tempo, mas depois, na mesma proporção, revelará força, resignação, elevação e sabedoria.

As minhas palavras parecem impessoais, mas quero que você saiba que eu e você sentimos a mesma coisa – diante da imprevisibilidade e da violência que assolam toda a ruptura de vida do mundo. A morte, essa intrusa democrática, torna todos os seres do mundo insignificantes e iguais. A morte, essa ordem antinatural do curso da justiça, torna o ser humano digno do céu e do inferno, das saudades e da oração – agora e na hora de nossa morte.

Viva o luto sem revolta. Os desígnios supremos (nascimento, amor, destino, morte) são insondáveis. Sofremos pelo absurdo aparente, mas o fato é que uma vida se oculta, mas não finda. Os mortos continuam sua jornada de ascensão e amor. Em algum plano. Em algum lugar. E talvez seja exatamente aí: dentro de você, se ao acaso as suas crenças estejam embaçadas. O elo do amor, quando firme, vence o Nada. Por isso, reze, peça fé em oração, discernimento e resignação. Você vai sair mais forte desse momento de horror.

Quem você amou segue firme e vai interceder junto ao infinito - que você pode chamar de Deus - para que haja a compreensão do significado impossível dessa jornada misteriosa que é a existência.

E, por fim, assim você vai despertar em vida.

E, enfim, quem já foi vai descansar – em paz.


? *FERNANDA VAN DER LAAN É PSICÓLOGA / @fernandissima

Fonte: TNH1

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