O cineasta iraniano Mohammad Rasoulof causou comoção no Festival de Cannes nesta sexta-feira (24) com a exibição do filme “The seed of the sacred fig”, que concorre à Palma de Ouro deste ano. O longa é uma homenagem à resistência do povo iraniano e especialmente das mulheres. Foi uma das estreias de maior suspense de que se há memória na Croisette, com a presença na sala Lumière do próprio diretor de 51 anos, que fugiu a pé do seu país, onde tinha sido condenado a cinco anos de prisão e a receber chibatadas. A estreia representa uma reviravolta nas apostas à Palma de Ouro, que até agora era liderada, segundo muitos críticos, por “Emilia Pérez”, musical em espanhol ambientado no México e filmado pelo francês Jacques Audiard.
Palco mais conhecido pelo seu desfile diário de estrelas e frivolidades, Cannes sabe se tornar uma plataforma política global quando as circunstâncias assim exigem. “The seed of the sacred fig” foi filmado clandestinamente no Irã, com atores e uma equipe que permaneceu em grande parte no país e agora corre sério perigo, alertou o próprio diretor. A obra conta a história de um juiz recentemente promovido aos tribunais revolucionários islâmicos, os mais temidos do país, e da sua esposa e duas filhas.
Rasoulof terminou de montar recentemente o filme, que se insere desde o primeiro momento na realidade atual do Irã. Desde a morte, em setembro de 2022, da jovem Mahsa Amini, de 22 anos, detida por um suposto desrespeito às rigorosas normas de vestimentas da República Islâmica, o país tem vivido manifestações maciças que foram duramente reprimidas, deixando centenas de mortos e milhares de presos.
O longa aproveita esse pano de fundo para desenrolar, em 2h45, a angustiante história deste juiz, Imán, dominado pelas exigências repressivas do regime e pela progressiva conscientização de suas duas filhas sobre o que está acontecendo nas ruas. Quando desaparece a arma que o juiz utiliza para sua proteção pessoal, o drama se intensifica. Rasoulof é um diretor que em diversas ocasiões abordou questões controversas na sociedade iraniana, como a pena de morte ou o status das mulheres. O diretor utiliza as imagens brutais de manifestações, espancamentos policiais e prisões em massa que circulam nas redes sociais iranianas há dois anos, para transformar o filme em um vibrante tributo à bravura dos manifestantes.
Fuga do Irã
Na semana passada, o cineasta Mohammad Rasoulof anunciou ter deixado o Irã, o que ele definiu como uma jornada “exaustiva” e “perigosa” rumo a um local secreto na Europa. Ele tomou a decisão depois de ter sido condenado por "conluio para atentar contra a segurança do Estado". Oficialmente, o Irã afirma que Rasolouf cometeu crimes contra a “segurança nacional” por produzir filmes sem autorização. Segundo Rasoulof, a equipe do longa continua a ser interrogada e intimidada pelas autoridades iranianas. No mesmo comunicado, disse se opor “fortemente contra a recente e injusta decisão que me forçou ao exílio”.
A última vez do cineasta no festival foi em 2017, quando venceu a mostra Un Certain Regard com o filme “Lerd”. Em 2020, Mohammad Rasoulof não foi autorizado a deixar o Irã para receber o Urso de Ouro em Berlim, na Alemanha, por “Não Há Mal Algum”. Neste ano, ele concorre contra 21 outras produções, como “Motel Destino”, longa do diretor cearense Karim Aïnouz.
*Com informações da AFP e Estadão Conteúdo
Fonte: Jovem Pan