São Paulo — As imagens do avião da companhia aérea VoePass que caiu nessa sexta-feira (9/8) em Vinhedo, interior de São Paulo, mostram como a tragédia que matou 61 pessoas ocorreu: o avião perdeu velocidade a tal ponto que as asas ficaram sem pressão aerodinâmica, entrando em uma situação que os técnicos chamam de “parafuso chato”. O que não se sabe, contudo, é o motivo da redução tão grave da velocidade. Há 17 anos o Brasil não vivia uma tragédia desse tamanho na aviação.
O avião, voo 2283, havia saído de Cascavel, no Paraná, às 11h46, com destino ao Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, e chegada prevista para 13h50. Eram 57 passageiros e 4 tripulantes e nenhum deles sobreviveu. Aquela era a quarta viagem do dia da aeronave, prefixo PS-VPB.
11 imagensReproduçãoReproduçãoReproduçãoReproduçãoReproduçãoReproduçãoSegundo o diretor de operações da VoePass, Marcel Moura, o avião havia passado por uma revisão técnica de rotina na madrugada anterior, em Ribeirão Preto, onde fica a sede da empresa. Ela estava “100% despachada, de acordo com os manuais e regulamento”, após a inspeção, disse Moura. Para a empresa, ela estava apta a voar.
A empresa afirma que a aeronave decolou do Paraná com todas as condições operacionais para cumprir a programação. Os últimos registros do voo mostram que, instantes antes da queda, o avião estava a 5.190 metros de altura.
Todas as vítimas tinham nacionalidade brasileira, com RG e CPF. Mas a VoePass não tinha confirmação se alguma delas poderia ter dupla cidadania ou ser estrangeira. Os passageiros eram sobretudo de Cascavel e de São Paulo. A empresa divulgou a lista completa de passageiros por volta das 18 horas dessa sexta.
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Gelo e “parafuso chato”
Ao longo do dia, engenheiros, ao ver as imagens da queda do avião em estado de “parafuso chato”, pilotos e outros especialistas em aviação passaram a buscar hipóteses para a redução de velocidade que criou essa situação, e a principal delas foi um acúmulo de gelo nas asas da aeronave, que poderiam ter impedido o correto funcionamento de asas e motor.
Em “parafuso chato”, o avião não voa “para frente” mesmo estando nivelado na posição horizontal. Ele cai na vertical, sem sustentação, em giro. O piloto movimenta os flaps das asas tentar fazer a aeronave subir, mas elas se mexem sem mudar a trajetória do voo porque, sem velocidade, elas perdem a pressão aerodinâmica que garantem seu funcionamento. O avião fica sem controle.
Isso ocorre porque o avião precisa de velocidade para se sustentar, com o ar sendo deslocado para baixo das asas e mantendo a altura. O avião perdeu 4 mil metros de altitude em cerca de um minuto, uma queda a cerca de 240 km/h.
Há manobras que podem ser adotadas para retirar a aeronave da situação de “parafuso chato” mas, segundo especialistas, as opções são muito limitadas se ela já estiver em baixa altura.
A empresa de meteorologia Climatempo divulgou uma nota ao longo da tarde dizendo que, na região de Vinhedo, onde o acidente ocorreu, em uma altitude de 5,6 quilômetros de altura, local onde o avião voava, “havia possibilidade de 35% de formação de gelo” e havia um forte vento de calda (que sopra de forma a aumentar a velocidade do avião), além do relato de outros pilotos falando dessa situação meteorológica adversa.
“Havia condições para despachabilidade do voo mesmo sob essas condições”, disse Marcel Moura, da VoePass, que admitiu, porém, que uma maior “sensibilidade” ao gelo é uma condição conhecida de aviões daquele modelo.
Contato com a torre
A essas informações, somaram-se notícias de que o piloto, Danilo Santos Romano, de 35 anos, teria pedido autorização para reduzir sua altitude porque os níveis de gelo estavam muito altos.
Contudo, o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, afirmou que não há registro desse contato. “Até o momento, não se identificou nenhum contato da aeronave, dos pilotos, com as torres de controle. Essa é uma informação importante, até porque algumas notícias surgiram nas redes sociais, mas é hora de muita serenidade e equilíbrio”, disse.
Investigações e resgate
O avião caiu em um condomínio fechado em Vinhedo, mas não houve vítimas em solo. O Corpo de Bombeiros encerrou o combate às chamas às 17h15, mas o resgate dos corpos adentrou a noite.
Os corpos das vítimas seriam encaminhados para o Instituto Médico-Legal (IML) da capital para a identificação. A decisão foi tomada pela Secretaria Estadual da Segurança Pública dada a infraestrutura necessária para a correta identificação de todas as vítimas — e a necessidade de procedimentos mais complexos, como exame de DNA, em algumas delas.
O Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) enviou técnicos ao local e vai publicar um primeiro relatório preliminar sobre as causas do acidente dentro de 30 dias. O avião possui gravador de voo, a chamada “caixa preta”, com registro tanto das conversas na cabine de voo quanto das leituras dos instrumentos. O relatório final, que tem objetivo de detalhar com precisão todas os fatores que levaram à tragédia, não tem prazo para conclusão.
O piloto Romano tinha 5.200 horas de voo com a VoePass, segundo a empresa. Seu copiloto, Humberto de Campos Alencar e Silva, de 61 anos, era considerado um dos pilotos mais experientes da empresa e tinha passagens por outras companhias aéreas.
Quinto pior acidente da história
Com 61 mortes, o acidente de Vinhedo foi o quinto mais fatal da história da aviação em solo brasileiro. O pior foi de uma empresa estrangeira, a Air France, e ocorreu no oceano Atlântico, em 2009. O acidente do voo AF447 matou 228 pessoas. O segundo pior foi o acidente da Latam, na época TAM, ocorrido na cabeceira do Aeroporto de Congonhas, na capital, em 2007, com 199 mortes.
A VoePass existe desde 1998, tem sede em Ribeirão Preto é especializada na aviação regional. Com 15 aviões em operação, a empresa nunca tinha registrado um acidente com mortes. Ela nasceu a partir da viação Passaredo de transportes rodoviários.
A empresa também se chamava Passaredo, mas mudou de nome em 2019, após passar por um processo de recuperação judicial entre 2012 e 2017. Segundo o CEO da empresa, Eduardo Busch, a companhia passava por um momento econômico-financeiro de “plenitude operacional”, com recursos suficientes para manter toda a operação com segurança.
O avião ATR-72 500 é fabricado pela Avions de Transport Régional (ATR), uma empresa franco-italiana com foco em aeronaves de turbo-hélice. “Os especialistas da ATR estão totalmente engajados para dar suporte tanto à investigação quanto ao cliente”, informou a empresa, em nota.
Uma aeronave do mesmo tipo caiu no Nepal em janeiro de 2023, em um acidente com 72 mortos. Aquele acidente, porém, foi atribuído a uma falha humana.
Fonte: Metropoles