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Polícia do RJ "perde" imagem de homicídio captada por câmera corporal

A manicure Laurenice Amorim entrou na Defensoria Pública do Rio de Janeiro, sozinha, numa manhã de julho deste ano.


Aos 18 anos, Leandro teve seu primeiro surto psicótico e foi diagnosticado com transtornos mentais. Na época, morava no Maranhão com o pai e foi internado em uma clínica psiquiátrica por três meses. Desde então, passou a tomar medicamentos contra depressão e distúrbios psicológicos e comportamentais.

No registro de ocorrência, a testemunha disse acreditar que Leandro "não era uma pessoa normal", que o atacou "do nada" e que portava uma faca. Os dois, segundo o depoimento, entraram em uma "luta corporal" e Leandro foi desarmado. O episódio causou na testemunha um corte no dedo.

Assim como começou de forma repentina, o episódio teria acabado da mesma maneira. Ao ser desarmado, Leandro "simplesmente saiu do local caminhando como se nada tivesse acontecido", disse a testemunha.

Pouco depois, a testemunha pediu ajuda a uma viatura: nela, estavam o sargento e o soldado que atirariam mais tarde em Leandro. Ainda segundo o relato do homem no registro de ocorrência, ele informou aos policiais o que havia ocorrido. No depoimento, disse que chegou a ver o momento em que Leandro foi abordado pelos policiais. Mas, estranhamente, teria perdido “o campo de visão" do local onde momentos mais tarde ocorreria o crime. Uma ambulância do Corpo de Bombeiros, convocada pelos policiais, teria levado ele para atendimento médico.

A partir desse momento da história, portanto, a única versão existente sobre o assassinato de Leandro é a dos policiais que o mataram com treze tiros.

O sargento Denilson de Araújo Matos e o soldado Wescley da Silva Batista, segundo os relatos de ambos no inquérito, saíram à procura de Leandro após o aviso da testemunha. Os policiais encontraram Leandro a poucos metros de distância do ponto de ônibus onde ele teria ferido o dedo do homem. Os depoimentos dos dois informa que o rapaz estava parado e não tentou fugir quando a viatura se aproximou.

O sargento disse ao delegado que registrou a ocorrência que "tentou dialogar" com Leandro, mas que, segundo ele, o rapaz "não obedeceu a nenhum comando, manteve comportamento hostil e respondeu com frases desconexas aparentando estar em surto psicótico". Em resposta à desobediência, contou o policial, ele deu dois tiros no chão.

Mesmo após os tiros no asfalto, contou o soldado Wescley da Silva Batista, Leandro teria "partido na direção" dos policiais "com a mão dentro da bolsa que usava". Diante do que chamou de "agressão iminente", o soldado, ainda segundo o próprio, atirou nas pernas de Leandro.

Batista disse em seu depoimento que os disparos contra as pernas "não foram capazes de deter" Leandro e que ele continuou andando, mesmo após os tiros. O soldado, então, atirou contra o tórax da vítima. Em sua oitiva, Batista admitiu que, após os tiros nas pernas e no tórax, Leandro caiu no chão "gravemente ferido". Ainda assim, sem que houvesse a suposta necessidade de legítima defesa, mais tiros foram disparados. Dois deles na cabeça.

O laudo de necrópsia da morte de Leandro mostrou que dois tiros atravessaram a cabeça, três perfuraram membros inferiores, dois atingiram o braço, três, o abdômen e três de raspão, no antebraço, no joelho e no cotovelo esquerdo. A causa da morte, segundo o documento, foram os ferimentos no crânio e no abdômen, que causaram lesão no encéfalo e hemorragia interna.

A manicure Laurenice Amorim deu à luz a Leandro em Açailândia, no Pará. Tinha 13 anos. Aos 26, Laurenice embarcou para o Rio de Janeiro com o filho, quando ele tinha 13. Acreditava que teria uma vida melhor numa cidade grande. Morava sozinhos na Zona Norte.

Confira abaixo o relato de Laurenice à coluna.

"Meu filho era tudo para mim. Eu costumava perguntar ao Leandro como eu conseguiria viver sem ele, porque teve uma época que ele quis voltar para o Maranhão. Mas eu tive medo de ele ter outro surto psicótico e o internarem de novo. Depois do que aconteceu, minha mãe, lá da minha cidade, chegou a falar: 'Você não quis voltar para cá e olha o que aconteceu com Leandro'. Eu penso muito sobre isso, mas eu não tinha como ficar sem ele. Sempre fomos só nós dois.

No dia em que ele foi morto, nós almoçamos a comida favorita dele e eu deitei no sofá para assistir à final da Copa do Mundo. Eu lembro que o Leandro falou para eu descansar na cama, porque eu parecia estar cansada. Eu estava mesmo. Depois que ele saiu para ir à igreja, arrumei a cama dele e fui tirar um cochilo. Acordei por volta das 22h e ele ainda não estava em casa. Chovia demais e eu pedi proteção para o meu filho. No dia seguinte, quando voltei do trabalho, a cama dele estava da mesma forma que eu tinha arrumado na noite anterior. Aí eu já sabia que alguma coisa tinha acontecido com meu filho.

Eu não entendi, e não entendo até hoje, por que ele foi morto. Treze tiros? Dois na cabeça? Meu filho nunca foi violento, nunca foi bandido, nunca foi envolvido com nada de errado, nem uma cerveja ele bebia comigo. Os policiais falaram que ele iria esfaqueá-los, mas como? Se ele já tinha tomado dois tiros na perna… Eles executaram meu filho. E eu morro de medo de falar isso, de eles virem atrás de mim. Mas eu tenho que lutar.

Mas, sabe? Eu não queria lutar. Eu não queria receber uma placa na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) com o nome do meu filho. Eu queria o nome dele num diploma. Eu não queria marchar ao lado de mães que perderam seus filhos pelas mãos do Estado como uma vítima, mas como uma aliada. Eu queria meu filho comigo".

Em nota à coluna, a Polícia Civil não respondeu por que o delegado responsável pelo inquérito, Gilberto Leite de Noronha Filho, da Delegacia de Homicídios da Capital, não pediu as imagens das câmeras corporais dos policiais envolvidos. A corporação disse apenas que foi feita a perícia no local da morte e em imagens de câmeras da região.

"A investigação está em andamento na Delegacia de Homicídios da Capital e é acompanhada pelo Ministério Público".

O Ministério Público do Rio de Janeiro não respondeu aos questionamentos da coluna.

A Polícia Militar disse em nota que, no caso específico tratado na reportagem, a perda das imagens pode ter sido causada por dois motivos: uma "falha" dos policiais envolvidos no homicídio por não apertar o botão de modo ocorrência, ou um "problema técnico" na transmissão das imagens para armazenamento na nuvem.

A corporação disse que os problemas envolvendo imagens de câmeras corporais e de viaturas "já estão sendo sanados" com a empresa responsável pela transmissão e o armazenamento, por meio de uma resolução interna. Publicada em setembro deste ano, a resolução determina que as câmeras sejam acionadas obrigatoriamente em qualquer ocorrência e, como reforço, o operador do Serviço de Emergência 190 fica obrigado também a lembrar aos policiais que são acionados para ocorrências que devem acionar o dispositivo.

"O não cumprimento da resolução resultará em falha grave de serviço. A punição será arbitrada conforme a gravidade do caso".

Tanto na Polícia Civil, quanto na Polícia Militar, não há uma área que audita se a lei estadual, as resoluções internas e a decisão do STF estão sendo cumpridas.

Os policiais que mataram Leandro não foram punidos por não terem apertado o botão de modo ocorrência e nem por não terem informado, no momento da lavração do registro de ocorrência da Delegacia de Homicídios da Capital, que as imagens não foram gravadas nesta configuração. A Corregedoria da Polícia Militar disse apenas que “analisa os casos”.

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