A tela de TV se dividiu em duas enquanto subia a temperatura do debate entre os candidatos à prefeitura da maior cidade brasileira. À esquerda José Luiz Datena fazia pesadas críticas a Pablo Marçal. À direita, o antigo coach contava até três com os dedos e os virava para baixo, formando a letra inicial de seu nome. Será que vai dar M em São Paulo?
O jornalista Datena, acostumado às câmeras, ainda caminhou até seu adversário disposto a trocar as palavras pelos braços. Os demais candidatos do debate de domingo, cada um à sua maneira, pareciam também escorregar nas provocações do outsider.
Ele apenas olhava. A essa altura começavam a multiplicar-se as perguntas entre os espectadores do debate. Se esse provocador conquistar a prefeitura, no dia seguinte já não seria candidato ao Palácio do Planalto? E mais: será que vai dar M no Brasil?
O risco aos poucos começa a ganhar contornos de verossímil. Não seria a primeira vez que um candidato com perigosos traços de populismo terá conseguido rapidamente escalar as íngremes escarpas do sistema político brasileiro.
Ainda assim assusta a ascensão desse quase desconhecido, íntimo das redes sociais e estudioso das reações humanas. E ainda assim a gente se pergunta por que um discurso tão bruto e tão vazio atrai tantos eleitores.
Várias hipóteses já começam a ser elaboradas por analistas políticos. Entre elas, a que dá destaque ao sentimento de frustração de muitos desses eleitores com promessas não cumpridas. A culpa, segundo os entusiastas da candidatura, seria do sistema, essa nebulosa entidade onde se encontram os políticos profissionais.
Também existe a hipótese da baixa qualidade do mundo político atual.
Uma rápida análise das opções colocadas à disposição dos eleitores de São Paulo, com as poucas exceções habituais, indica pobreza franciscana. É difícil entender como uma cidade tão rica, cosmopolita e complexa não renove e qualifique essas opções.
As eleições na capital paulista estão nas manchetes em todo o país. Mas não pelo dinamismo da cidade ou pela qualidade das propostas. Bem ao contrário, elas se sobressaem pela baixaria e pela agressividade.
Não tem que ser assim. É difícil aceitar o triste teatro oferecido aos eleitores, ainda que os especialistas nos expliquem que se trata do destino obrigatório da política em tempos de polarizadas e agressivas redes sociais.
Aos mais novos, convém pesquisar o passado recente. Os debates geralmente fluíam com a mínima polidez necessária. E havia sempre o recurso ao humor para lidar com os adversários mais difíceis.
Um mestre desse recurso, por exemplo, foi Leonel Brizola. Na campanha para governador do Rio de Janeiro, em 1982, ele apelidou seu maior adversário, Moreira Franco, de gato angorá. E arrancava risos da plateia ao imitar os trejeitos do gatinho no palanque.
Hoje ninguém ri, ou mesmo sorri, nos debates de São Paulo. Os candidatos mantêm aquela cara séria, quase militar, de quem está ali disposto a uma guerra política. Quem parece ganhar com tudo isso é o outsider de olhar irônico.
Em outubro os paulistanos decidirão se o querem à frente dos destinos de sua cidade. Para fazer o quê? Bem, pouca gente sabe. Talvez nem ele mesmo tenha ainda escolhido suas prioridades, além de teleféricos nas favelas e de mutirões para erguer moradias.
O que preocupa aos demais brasileiros é a próxima etapa da escalada do antigo coach. Será que ele pretende levar seus métodos a todo o país dentro de dois anos? Vai novamente chamar de comunistas seus opositores e se apresentar como alternativa a quem está cansado das velhas opções?
Pode ser que sim. Se ele tiver sucesso agora, por que não tentaria novo salto em 2026? Ele provavelmente teria pela frente o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ainda popular, mas quase octogenário e pouco habituado ao mundo das redes sociais.
Temos ainda um mês pela frente antes das eleições municipais. E dois anos antes de voltarmos às urnas para escolher a pessoa que vai presidir o país a partir de 2027. Parece muito tempo, mas não é.
A sociedade e os partidos políticos dispõem de 25 meses para buscar alternativas. Não apenas de novos nomes, mas também – e sobretudo – de novas ideias. Para iluminar o debate sobre futuros possíveis para o Brasil.
Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.
Fonte: Metropoles