Abusos de pais contra as próprias filhas causam arrepios em produções ficcionais como 'Mentirosa, mentirosa' (1993) e 'Eclipse Total' (1995), mas a história real de Charlene, que tornou público o caso de abuso sexual e chantagem sofrido por ela, é capaz de deixar os mais insensíveis de cabelo em pé. Em relato feito ao podcast The Indo Daily, a irlandesa abriu mão do anonimato que lhe era garantido por lei para lembrar dos sete anos em que foi repetidamente abusada sexualmente e chantageada por um homem desconhecido que veio depois a descobrir que era seu próprio pai.
Hoje com 32 anos, Charlene foi abusada dos 18 aos 25 por David Masterson, seu pai. Tudo começou quando ela recebeu uma mensagem de texto anônima que alegava ter informações incriminatórias sobre ela que seriam vazadas se ela não realizasse os atos. Mais tarde, descobriu-se que o texto havia sido enviado por David.
"Recebi mensagens aleatórias de um número, eu não sabia o número, e dizia ''Eu sei o que você fez'', e qualquer um que me conhece sabe que odeio estar em apuros, então entrei em pânico imediatamente". Apesar de não ter feito nada de errado, Charlene disse que "tentou consertar" as coisas ao interlocutor, sem fazer ideia de que ele era seu próprio pai.
Quando Charlene respondeu, o "chantagista" ameaçou demitir seu pai de seu emprego em uma companhia aérea no aeroporto de Dublin, a menos que ela atendesse às suas exigências. As mensagens começaram a exigir que ela fizesse coisas sexuais com homens, enquanto ameaçava enviar informações para o trabalho de seu pai se ela não o fizesse.
Quando ela contou ao pai sobre o que estava acontecendo, ele disse que ela teria que fazer essas coisas porque seu emprego estava em risco. Ela disse: "A única pessoa a quem você recorre para pedir ajuda é seu pai, e eu recorri, e a resposta dele foi 'você vai ter que fazer isso'. Não foi a reação que eu esperava", lamentou. A pessoa que mandou mensagem para Charlene nunca explicou o que ela supostamente tinha feito, mas ela disse que era bem "ingênua" na época e entrou em pânico. "Foi ele, então ele sabia que eu não fiz nada, eu nem sei como ele inventou tudo isso, ele sabia exatamente o que eu tinha feito, que não foi nada", explicou.
Ela relatou que combinou com o chantageador que o pai permitiria que uma pessoa entrasse em sua casa e faria o que essa pessoa quisesse enquanto usava uma venda e fones de ouvido tocando música. Ela então foi abusada sexualmente. "Eu me lembro vividamente, sentada lá com o que quer que ele tenha exigido que eu vestisse naquela noite e ele olhava pela janela dizendo, 'oh, ele está vindo pelo campo'. Ele deveria ser um estranho, então como meu pai saberia como ele é, e então ele fingiu estar lá embaixo e fingiu levar a pessoa para fora de casa. Ele dizia 'oh, nós o levamos para as montanhas e ele não vai voltar mais', como se estivesse tentando bancar o herói e o protetor. Depois que o 'estranho' foi embora, ele voltaria a ser o pai amoroso'", recordou.
Charlene finalmente descobriu o papel do pai na rotina de abusos quando tentou ajudar a avó a instalar um programa no laptop e encontrou um DVD com uma gravação de dois ataques. "Não assisti além dos primeiros 10 segundos. Quando ele chegou em casa, eu ainda estava recebendo mensagens do estranho e respondi 'Eu sei que você é meu pai'". O pai dela "gritou" e perguntou como ela podia pensar que era ele, mas ela nunca mais recebeu mensagens de texto de chantagem depois disso.
Charlene disse que foi quando o abuso se transformou em "abuso aberto" em casa, onde ele a apalpava fisicamente e a estuprava. Ela acrescentou que o pai a seguia até seu emprego de meio período, do qual ela acabou sendo forçada a pedir demissão. Quando tinha 25 anos, Charlene decidiu viajar durante um fim de semana com amigos contra a vontade de David, que passou a enviar mensagens furiosas e ameaçadoras durante o passeio. Amigos passaram a suspeitar da violência sofrida pela mulher, mas por meses ela negou, até que assumiu ser vítima de abuso do próprio pai. Em 2014, as amigas de Charlene foram até sua mãe e explicaram o abuso que ela havia sofrido por anos. No mesmo momento David foi expulso de casa.
Charlene só viu seu pai no funeral de sua mãe e em três ocasiões no tribunal desde então. Na ocasião, ela ficou chocada porque ele não havia mudado nada fisicamente e não parecia mais velho ou mais frágil. David foi condenado a 17 anos de prisão por abusar sexualmente de Charlene por um período de sete anos após chantageá-la pela primeira vez. Ele também abusou de outras três meninas, tendo encontros sexuais com duas delas e entrando em um relacionamento sexual com uma terceira, que morou com ele por um período de tempo.
Desde que se livrou das garras criminosas de David, Charlene tentou escapar do "estigma enorme" em torno de vítimas de estupro e hoje tenta evitar com que novas vítimas passem pelos mesmos medos e constrangimentos que ela sofreu. Ela contou que o abuso ocorreu por sete anos e meio e que ela precisou de outros sete anos para processá-lo. "Estou do outro lado agora", disse a mulher. Ela afirmou que espera que sua experiência ajude as pessoas a falarem e que saibam que elas podem encontrar ajuda para que não sofram com o silêncio. "Sinto que é uma história importante e sei que, ao abrir mão do anonimato, poderia ajudar pelo menos uma pessoa a falar", defendeu.
A vítima lembra que o pai foi questionado sobre se arrepender dos crimes cometidos, mas que ele não demonstrou nenhum remorso quando inquirido pelo juiz. "Foi de cortar o coração, você pensaria que ele ficaria um pouco arrependido. Nunca vou receber um pedido de desculpas. Nenhum remorso, mas ele tem que viver com isso", lamentou.
Fonte: TNH1