Pergunte aos poetas, ao Cântico dos Cânticos, aos sonetos de Shakespeare, a Dom Quixote, a Riobaldo, a Frida, Clarice, Camões, Cazuza.
Pergunte aos sambistas e aos sertanejos, à MPB, ao hip-hop e ao funk, a Chico, Gil, Bethânia (Caetano não sei dizer). A Roberto e Erasmo, a Odair José, Lupicínio Rodrigues, Cole Porter, Edith Piaf, Amy Winehouse, Marília Mendonça. Cito a esmo, tantas e tantos os românticos e as românticas com suas epifanias de amor.
Pergunte às coisas mais belas já escritas e cantadas. Às loucuras mais loucas e, sim, às dores mais fundas.
Pergunte aos medievais Tristão e Isolda; a Florentino e Fermina, dos tempos do cólera; aos modernos Maria Martins e Marcel Duchamp. A Salvador Dali.
Pergunte a uma das mais românticas lendas indígenas amazônicas, a do surgimento do Rio Amazonas, que teria nascido do amor entre o Sol e a Lua. A amada satélite, quando percebeu que jamais encontraria o amado estelar, chorou tanto e tanto que as lágrimas caíram nas montanhas da Terra e correram para o mar. Por soberba ou inveja do amor, o oceano rejeitou o choro da Lua. Então, a força das águas lunares abriu um imenso vale na floresta e assim nasceu o maior rio do mundo.
Pegunte a um dos mais espantosamente belos amores da literatura brasileira, o do jagunço Riobaldo pelo também jagunço Diadorim. Amor que surge, contido e desconfiado, na brutalidade do grande sertão e amolece nas águas líricas das veredas. "Gostava de Diadorim, dum jeito condenado – diz Riobaldo sobre aquele jagunço/jagunça –; nem pensava mais que gostava, mas aí sabia que gostava em sempre."
Pergunte ao próprio Guimarães Rosa: O amor está em toda a obra do cordisburguense – amor das prostitutas, dos ambíguos, das velhas, dos velhos, das novas, dos novos, das nem velhas nem novas, das recatadas, das impudicas, amor, amor, amor.
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Pergunte aos amores entre corpos biologicamente nascido iguais e igualmente rejeitados por séculos e séculos de imposição hétero. Amores escondidos, contidos, disfarçados, amaldiçoados.
Pergunte a Carlos Drummond de Andrade, para quem "amar o perdido/deixa confundido/este coração./Nada pode o olvido/contra o sem sentido/apelo do não./As coisas tangíveis/tornam-se insensíveis/à palma da mão./Mas as coisas findas,/muito mais que lindas/essas ficarão."
Ou a Clodo Ferreira, autor da letra de Revelação, consagrada na voz de Fagner. O compositor piauiense/brasiliense morto recentemente responde, no mesmo diapasão amoroso, ao poema de Drummond. E diz que as coisas findas não apenas ficarão, elas voltam a incomodar: "Quando a gente pensa de toda maneira dele se guardar, sentimento ilhado, morto, amordaçado, volta a incomodar". (Mais informações sobre como Clodo compôs Revelação, leia no Blog do Severino Francisco).
Pergunte a Nelson Rodrigues, ele sabe muito sobre o amor. Leia Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo, coletânea de respostas que o anjo pornográfico dá às leitoras e aos leitores de sua coluna no Diário da Noite, na qual ele atendia sob o pseudônimo de Mirna. Ele diz: [No amor] "não escolhemos nem certo nem errado, porque simplesmente não escolhemos".
Pergunte a Clarice e ela responderá de muitos modos. Um deles: "Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca". Sim, aqui ela parece tratar do amor universal, mas vale também para o romântico. (Nunca consegui ler A paixão segundo G.H., tenho medo de me perder e nunca mais voltar).
Termino com @gilbertogil que, no último Dia dos Namorados, escreveu: "[O amor] sempre nos arremessa ao plano do divino, nos arremessa fora da atmosfera do real terreno para a estratosfera do além divino". Pra mim, é isso.
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