Um levantamento da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) revelou aumento significativo e preocupante nos casos de homotransfobia na capital do país, nos últimos seis anos.
Os dados demonstram um crescimento de 500% no número de ocorrências registradas, com destaque para 2024, que teve 90 casos denunciados até setembro último.
Confira os registros:
2019 – 15 casos
2020 – 39 casos
2021 – 66 casos
2022 – 70 casos
2023 – 76 casos
2024 (até setembro) – 90
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Julgamento
Estudante de comunicação organizacional, Wendy Rocha, 23 anos, sofre com a discriminação desde os 7 anos. As piadas e agressões começaram quando ainda estava na educação básica, em uma escola de Planaltina (DF).
"Cresci em uma cidade muito conservadora. Na infância, sofria bastante, porque sempre tive meu jeito, que diziam ser afeminado, e por ter sido um pouco acima do peso. Então, além da homofobia, eu sofria por causa de meu corpo”, relatou.
No ensino médio, Wendy era frequentemente chamado de "travesti", além de ser alvo de violência física. O estudante chegou a buscar ajuda na diretoria do colégio após sofrer ofensas homofóbicas, mas não conseguiu o apoio esperado.
“Na terceira série, alguns colegas me perseguiam e falavam palavras horríveis. Quando levei isso ao diretor, ele apenas disse: ‘Mas também, né?’. Como que compactuando com as ofensas que eu sofria. Fui tratado como se o problema fosse eu”, lamentou o universitário.
Além da discriminação em outros espaços, Wendy lidou por anos com o trauma de usar banheiros masculinos na escola e ser frequentemente intimidado e observado com olhares de reprovação.
“Em um ensaio de teatro na escola, durante o intervalo, fui ao toalete. Uma coordenadora me viu e disse que aquele não era meu lugar. Tive de comprovar que eu era menino levantando a blusa. Foi muito constrangedor. Eu parecia um animal em um zoológico, sendo observado e julgado por todos por algo que não escolhi ser”, desabafou o jovem.
Veja fotos de Wendy:
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Ridicularização
Estudante de pedagogia, Alexis di Ãngelo, 24, enfrenta o preconceito desde o ensino médio, quando estudava em um colégio particular e lidava com dificuldades nos relacionamentos afetivos por ser abertamente LGBTQIAP+.
“Estava tudo bem para meus amigos namorarem, mas, como eu era percebido como um menino à época e tinha namorados na escola, nós não podíamos andar de mãos dadas ou nos abraçar sem que isso fosse visto com maus olhos. Chegou até a ser comentado com minha mãe, e virou um processo que me inibiu muito”, contou Alexis.
Em 2016, a estudante chegou a ser suspensa por dar um selinho no namorado em um momento de lazer no colégio. Ao mesmo tempo, atitudes semelhantes entre casais heterossexuais não eram questionadas.
“Isso permeou outros aspectos da minha vida escolar e me desincentivou muito a continuar meus estudos, pois sempre me sentia ridicularizada e menosprezada”, completou Alexis, que deixou a escola devido aos traumas. “Depois, busquei psicólogos e, só após dois anos, consegui retomar e concluir os estudos, por meio da Educação de Jovens e Adultos (EJA).”
Ajuda profissional
Ambas as vítimas buscaram ajuda para lidar com as consequências das agressões vividas. Wendy tentou obter apoio psicológico na escola, mas, devido a limitações financeiras, só contou com suporte emocional da família. A madrinha foi uma das pessoas que o ajudou a enfrentar as situações mais dolorosas. “Tive muita desassociação de imagem após o ensino médio por causa disso. Eu não sabia quem eu era de fato. O processo para eu me aceitar demorou anos”, completou.
Especialista em atendimento clínico das diversidades de gênero e sexuais, o psicanalista Eduardo Fraga elencou os graves impactos que situações como as relatadas podem ter na formação da identidade de jovens que lidam com a discriminação. Esses episódios podem deixar marcas profundas, principalmente porque a construção das primeiras noções de pertencimento e aceitação ocorre na infância e adolescência.
“Quando crianças ou adolescentes são alvo de homotransfobia, elas passam a dar sinais que podem envolver queda de rendimento escolar, isolamento social e mudanças de comportamento, especialmente com irritabilidade e retraimento, além de sofrerem com baixa autoestima e dificuldade de confiar nos outros”, destacou o especialista.
Eduardo lembrou que a experiência de exclusão nessa fase da vida pode gerar uma série de traumas psicológicos, como insegurança, ansiedade e depressão. Além disso, em alguns casos, os traumas podem favorecer o desenvolvimento de comportamentos de autopreservação extremos – como o abandono da própria expressão pessoal – ou o surgimento de pensamentos autodestrutivos.
A situação se agrava quando o ambiente escolar, que deveria ser um espaço de apoio e acolhimento, torna-se um cenário de preconceito e rejeição. “Se o colégio for um espaço de discriminação e negligência, esses problemas se transformam em um fator de risco ainda maior”, completou o psicanalista.
Para muitos desses jovens, o isolamento e a ausência de redes de apoio criam um ciclo difícil de romper, segundo Eduardo. Além disso, as consequências emocionais podem se estender para a vida adulta, com impactos na forma como as pessoas lidam com a própria identidade e com as relações humanas.
O psicanalista também orientou que as famílias e escolas atuem para tornar os ambientes mais acolhedores a essa população. “É muito bom saber que você mata um leão por dia e, quando chega em casa, encontra suporte. Então, além do auxílio domiciliar, é fundamental que os colégios ofereçam apoio psicológico e ajudem a construir um ambiente mais acolhedor e inclusivo.”
“A aceitação fortalece a autoestima e permite que os jovens construam uma identidade sólida, confiante. Eles poderão sentir que podem ser autênticos, o que reduz o estresse, a insegurança e promove um desenvolvimento emocional muito mais equilibrado. Com certeza, a partir disso, eles terão relações mais saudáveis na vida”, finalizou o psicanalista.
Veja as orientações do especialista:
Metropoles